Toca como fosse eu seu mais velho amigo, seu piano. Toca-me e faz de mim sua melodia, deixe marcado no meu corpo tua letra.Toca-me e grave em mim sua canção. Interprete minha partitura sem pudores, sem erros, sem caridade, sem falsidade. Faça de mim música, em notas sustenidas, notas de flor, notas de amor, nosso amor em clave de sol. Escreva nossa partitura no papel da vida, dedilha nosso caminho no piano do destino. Confidências rítmicas de você em mim. Decifra-me, como decifra sua partitura, desvende, procure, busque um pouco de mim em você, em suas notas de querer, sons de seu eu, ritmos de seus desejos, tons de seu amor. Deixe a música entrar não apenas na sala mas, permita que adentre sua pele, em seus poros, que invada sua alma, percorra sua corrente sanguínea, deixe a reger seus movimentos, moldar seus pensamentos, o fazer dedilhar com sentimentos. Encha seus ouvidos de mim, de nós. Ouça os ecos que vem da alma, e como maestro que rege sua orquestra,assim o faça com maestria.
Toca-me,
Em lentas dedilhadas sobre meu corpo, e sinta o compasso rítmico do meu coração. Toca-me em alma, corpo, pensamento e desejo. Toca-me como se tocasse Mozart, com ímpeto, paixão, com ardor, vontade, força, doçura e exatidão. Desperte os sons da minha alma, as melodias do meu querer.
Toca-me,
Mas sem proferir nenhuma palavra, só com sua pele, com sua alma, com seus olhos. Toca-me com seu olhar de homem feito, seguro, com suas mãos firmes de pianista, com seu cheiro de Mi maior. Desejos e segredos silenciados em Lá menor.
Toca-me,
Bem dentro da minha existência, faz-me flutuar acima dos sonhos,transporta-me para o teu mundo, envolve meu corpo e tudo o que sou com música.
Toca-Me,
E deixe seus instintos musicais aflorarem em mim, me ame calado como quem ouve uma sinfonia. Somos feitos de silêncio e sons, acordes de amor, de carinhos, em tons e semi-tons, sussurros de vida ao pé do ouvido.
Então , as teclas suspiravam música e a melodia ecoava sem fim naquela sala de confidências musicais. A pauta balançava: semínima, semicolcheia, colcheia, colcheia, breve, semínima, breve, pausa. As mãos dançavam pelo preto e pelo branco. E se dormiu sobre claves de Sol. Claves de Sol! Os seus dedos sentiam cada passo de música. E tocava. Em jeito de música, de manhã, de mansinho, docemente. A música passeava pelas paredes e visitava o jardim que começava onde a janela se abria para o céu.
Coisas de um amor descabido, atrevido, sustenido, que não suportou ser só amor literário, tinha que virar música.